Por Danize Mata, Lívia Alfonsi e Mariana Bongiorno
Nos dias 17 e 18 de novembro, foi realizado o 23º encontro anual da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, na cidade de Goiânia, centro oeste do Brasil. E para celebrar o dia 8 de março, dia instituído como internacional das Mulheres, contaremos um pouco do que foi esse Encontro, cuja temática vem de total encontro ao dia de hoje.

Acreditamos ter sido uma boa escolha essa região – Centro-oeste brasileiro, pois, ali podemos observar regionalismos do Brasil de norte a sul e a diversidade cultural nos diversos estados ali representados. E por incrível que pareça essa diversidade tem muito a ver com o tema do Encontro, que foi: “Protagonismo e Direitos Humanos das Mulheres na Família Dominicana, na Igreja e na Sociedade”.
Antes que se pense que se tratou de um encontro de homens versus mulheres (ou vice e versa) ou homens contra mulheres (ou vice e versa), fique sabendo que o contrário foi o que ocorreu.

Quem conduziu o encontro foi Maria Soave, missionária leiga, biblista, assessora do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), que soube fazer de um encontro que poderia simplesmente virar um debatezinho superficial e errôneo no sentido de achar que homem é melhor nisso e mulher naquilo, se transformar em um encontro profundo, de estudo e reflexão.
Iniciamos refletindo sobre a importância das palavras e o poder político que vem embutido nelas. Esse poder político tem força política de mudança ou de paralisia das relações. Às vezes, usamos determinadas palavras que tem certa força política que não é exatamente o que queremos expressar e sem perceber estamos lado a lado com um preconceito velado.
E aí começamos um estudo de diversas palavras, visando entender essa força política que pode expressar um preconceito velado e assim paralisar algumas relações. Algumas delas foram:
– Denegrir (remete a negro e é utilizada para expressar algo mal visto. Podemos comparar com aquela expressão “Segunda feira é dia de branco”, ou mesmo “Que serviço de preto!”).
– Judiar (remete a Judeus e serve para explicar um sofrimento, serve o mesmo tipo de comparação da palavra anterior).
– Histérica (histe = útero. Remete à mulher e explica algo que está fora do comum, algo anormal ou até mesmo irracional).
– Safada (Essa palavra vem da Ilha de Safo onde mulheres espartanas se refugiaram, pois não aceitavam mais o seu papel de criadoras de filhos para a guerra. Safada foi uma palavra criada para paralisar a luta dessas mulheres).
Muitas pessoas ao lerem essas palavras e suas explicações políticas vão pensar: “mas, é normal hoje em dia falar isso ou aquilo”. Tudo é normal para aquele está no lado do poder. Essas palavras foram criadas por quem estava no poder e tinham/tem a intensão de paralisar algumas relações. Deixemos de pensar que as palavras são neutras em si mesmas e prestemos mais atenção no que estamos falando.
Após esse momento de internalizarmos que as palavras não são neutras em si mesmas e que na verdade elas têm poder político de paralisar ou mudar relações, começamos a pensar sobre os estudos de gênero.
Nesse sentido, entendemos que estudo de gênero é o estudo das relações de poder entre homens e mulheres, homens e homens e mulheres e mulheres.

E o que é ser homem? O que é ser mulher? Na verdade não é SER, é ESTAR. A palavra ser alude à permanência, definição, ontologia, naturalidade. Só Deus é. Enquanto que a palavra estar alude à transitoriedade, errância ou nomadismo. O ser humano se constrói e desconstrói a cada experiência por isso, nós estamos homens ou mulheres.
Existem diversas maneiras de estar mulher ou homem no mundo. No ocidente foi construída de forma patriarcal e machista apenas uma maneira de estar mulher ou de estar homem. E aí podemos relembrar aqueles ditados populares: “Homem que é homem… (não chora, não se depila, não é vaidoso)” ou “Mulher que é mulher… (usa maquiagem, é frágil, se depila, chora, cozinha, é vaidosa)”.
Começamos então a pensar em como é geralmente a formação desde criança de uma menina e de um menino, a menina ganha bonecas, assiste e ouve contos de fadas, ganha kit de cozinha e de faxina, ganha maquiagem e bolsa; enquanto o menino ganha carros de brinquedos, armas, jogos de lógica, assiste a desenhos de luta. Ou seja, meninas são preparadas desde criança a ter o seguinte pensamento: “Mulher que é mulher deve buscar a sua “metade”, pois sem esta metade ela será para sempre insegura e frágil, tem filhos e cuida deles, lava, a, cozinha e claro tem que estar sempre maquiada e com uma bolsa linda.” Enquanto o menino cresce tendo o seguinte pensamento: “Homem que é homem não chora, dirige, briga e tem um raciocínio lógico aguçado para poder lidar com o mundo”.
Comecem a observar as embalagens de brinquedos e percebam como desde criança nos é impregnado apenas um jeito de estar homem ou de estar mulher no mundo (pelo menos no ocidente). Ou seja, nessa cultura massificada só existe ser mulher e o ser homem como se o ser humano fosse programado para aquilo ou para isso.
O patriarcado deixou uma lógica fixista de papeis em que um manda mais que o outro; o machismo deixou uma lógica fixista de papeis dada por violência.
Precisamos sair da lógica fixista e entender a diferença entre tradição e tradicionalismo. A tradição implica em conhecer o legado de culturas anteriores e fazer uma malha de retalhos aproveitando o que é bom da tradição e adicionando o que a humanidade vai aprendendo. Enquanto o tradicionalismo mantem a tradição como sempre foi simplesmente por ser tradição, independente do que aprendemos a cada dia.
Larguemos então o pensamento de que homem é o contrário de mulher, que mulher vem ocupando o lugar do homem e assumamos que a humanidade é o espaço de homens e mulheres que a cada dia estão homem ou estão mulheres.
E tratando de Protagonismo e Direitos Humanos das mulheres na Igreja e na Sociedade, não se poderia deixar de refletir neste encontro sobre a importância social de Maria, mãe de Jesus.
Maria era um nome dado às mulheres mal vistas pela sociedade da época, pois fazia memória à Miriam do Antigo Testamento, a qual havia sido amaldiçoada por se opor ao casamento de seu irmão, Moisés, com uma mulher etíope. Ainda que marginalizada pela sociedade patriarcal da época, Deus escolheu a jovem mulher da Galiléia para trazer ao mundo o Novo Adão, consagrando assim, a participação das mulheres na salvação do mundo.
Em sua acolhida profunda do projeto de Deus, Maria exerceu o seu ministério da fecundidade e do Estar Mulher na gratuidade oblativa do seu sim generoso e materno.
Trazendo a figura de Maria como o maior exemplo de estar mulher no mundo, finalizamos nosso encontro fazendo memória e rezando por todas aquelas que sofreram ou sofrem perseguições por exercerem seu papel na sociedade, por aquelas que não se dão o devido valor e por todas as outras que no dia-a-dia sofrem simplesmente por estarem mulher.
Deus nos convida, mulheres e homens, a estarmos no mundo e nos fazermos presente ao mundo. Sem Cessar. Sem diferenças. Sem preconceitos.
“Muitas mulheres são fortes,
tu, porém, a todas ultraas!” Pr 31, 29
Uma vez conheci uma mulher, cheia de luz, de fé, de criatividade, de força! Impressionava-me, como ela sempre encontrava um jeito pra tudo, para resolver os problemas delas e dos outros. Encontrei uma mulher que tinha uma vida toda doada, toda a serviço do próximo. Aprendi com ela a ser forte e a buscar em mim sempre aquele algo a mais, quando pensamos que perdemos todas as forças.
Nessa escola tão intima, tão próxima fui aprendendo a olhar o mundo e a habitar nele, fazendo minhas escolhas como mulher. Nesse caminho, pude conviver com as mais diversas realidades das mulheres: de opressão ou de liberdade, de cuidado ou de negligência, de submissão ou de autonomia, de desespero ou de fé, de vida ou de morte.
Essas mulheres de ontem e de hoje fazem parte da humanidade que busca novas luzes, que ama profundamente a vida, que luta por direito à liberdade, à felicidade, e pretende construir solidariamente novos caminhos. E das mulheres lutadoras de hoje também somos convidadas e convidados a aprender. Aprender do sonho daquelas que sabem de seus direitos, às vezes até assegurados no papel, mas ainda ilusórios na prática.
Como fruto de uma longa construção, reconhecemos que em qualquer lugar que cheguemos lá está uma mulher trabalhando, ocupando espaços que são nossos por direito e que nos foi negado por tanto tempo, mostrando que ninguém é dono exclusivo do saber, do conhecimento e do poder.
No entanto, me chamam atenção, sobretudo, as mulheres que lutam contra a fome, a miséria, a desigualdade, que se esforçam para criar e educar seus filhos, por gerar e parir um mundo melhor. Estas são mais fortes ainda, como a mulher que citei no início dessa conversa, e como tantas outras. São mulheres selvagens, diria a psicóloga Clarissa Pinkola Estes em seu livro “Mulheres que correm com os lobos”, com a qual finalizamos esse breve texto.
“Era uma vez uma mulher. Essa mulher era amada. Por ser amada, era reconhecida como inteira em si mesma. Por ser reconhecida, era livre para existir. Essa mulher vivia com os pés na terra e a cabeça nas nuvens, possuía todos os atributos de uma deusa. Era humana e ao mesmo tempo divina e havia algo de selvagem em seus olhos que nenhuma civilização ou religião poderiam domar. Por issomesmo, essa mulher foi temida e, por ser temida, foi reprimida e banida do convívio dos demais. Ela foi queimada nas fogueiras da ignorância, amordaçada nas malhas da censura, presa nas correntes da indiferença. Após tantos séculos de repressão, aqueles que a haviam represado acreditavam que sua luz havia finalmente se extinguido; que sua natureza selvagem e aterradora havia desaparecido por completo. Porém, essa mulher faz parte da própria natureza, ela é a própria natureza e não pode ser aniquilada. De sua completude temos apenas resquícios, mas, ela sobrevive nas histórias e nos contos de fada e no fundo da alma de todos, homens e mulheres.” (Éstes, Rocco, 1994).