A ideia não é exatamente fazer um diário de bordo constante – até porque a rotina não permitirá tanta dedicação a isso -, mas vou tentar escrever aqui algumas impressões sobre a vida por esses cantos do Norte do Brasil.
Cheguei em Palmas na terça-feira (28), por volta de 10h30. No aeroporto, fui recepcionado pela companheira e Irmã Danize Mata. Carregado com ela, veio todo o carinho dos amigos do MJD-Porto. De lá, fomos para a rodoviária da cidade, de onde peguei um micro-ônibus com destino a Araguaína, distante cerca de 400km da capital – que mais parecem 800km graças às péssimas condições de conservação da BR-153 (ou BR Belém-Brasília).
Araguaína é a cidade onde está instalada a Comissão Pastoral da Terra (T), meu novo QG de trabalho. A população gira em torno de 150 mil habitantes. Agências bancárias, restaurantes, pizzarias e concessionárias de carros importados já estão instaladas por lá. As ruas são tão esburacadas quanto a rodovia. É preciso bastante perícia para desviar das crateras que estão por quase todo caminho.
Bem, cheguei em Araguaína por volta de 18h, e quem me recebeu por lá foi a Carol, com quem estou dividindo a casa. Meu novo endereço, aliás, fica a 40km de Araguaína, num pequeno vilarejo de 5 mil habitantes chamado oficialmente de Aragominas. Mas, para os íntimos, pode ser tratado apenas por Pé do Morro.
Logo no primeiro jantar fomos a um restaurante que vende espetinhos. O acompanhamento inclui arroz, feijão tropeiro, vinagrete e mandioca. Tudo bem caseiro, em grande quantidade e com sabor de comida da vó. Paguei a fortuna de R$ 5. A sobremesa saboreada foi um açaí poderoso. O sabor é bem diferente do que encontramos em SP; menos doce e mais vitaminado. A tigelona, que vale por um almoço e café da tarde, custou R$ 7. Posso dizer que dormi muito bem alimentado.
2º e 3º dias – quarta (29) e quinta (30)
Logo cedo fomos para a chácara da T, que fica a 10km de Araguaína. Um lugar maravilhoso, com floresta amazônica servindo de quintal. No rio Lontra, escondidinho em uma rápida trilha de 50m, corre uma água cristalina e de temperatura deliciosa para o banho. A sutil correnteza funciona como uma hidromassagem natural, sem custos e com direito a trilha sonora dos vários arinhos que por ali sobrevoam.
A chácara acolheu a equipe da T para uma reunião de planejamento e de acolhida aos novos integrantes do grupo: eu e Laudinha, estudante de História na Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Intensa e recheada de novas informações, a reunião permitiu conhecer brevemente os mais de 30 grupos acompanhados/assessorados pela T. São centenas de famílias em situação vulnerável que lutam pelo seu pedaço de terra para morar e trabalhar. Brigas que percorrem anos e anos contra a burocracia, corrupção e violência de fazendeiros e grandes empresas agrícolas.
Na quinta-feira, segundo dia de reunião, terminamos de rever os grupos e de traçar os objetivos para o decorrer do ano. Feito isso, os agentes foram redistribuídos pelas comunidades assistidas. Como parte de um processo de reconhecimento de terreno, participarei do acompanhamento de 8 grupos – alguns em situação de aparente tranquilidade, mas outros em risco iminente de serem expulsos de suas terras.

Escultura feita por um artesão retratando os escravos: não é preto nem branco. É cinza, das cores dos fornos de carvão; os arames são as algemas dos grandes latifúndios
Quase no fim da reunião, de forma anônima, uma arara e dois tucanos resolveram participar da conversa por alguns minutos. À noite voltamos de Araguaína para Aragominas. Pegar a estrada que liga os dois municípios à noite é tarefa apenas para os mais destemidos. Os vários buracos, a falta de sinalização e a inexistência de iluminação tornam o percurso uma aventura e tanto.
Por enquanto, o que fica é a ansiedade de ir logo a campo e começar a entender verdadeiramente a realidade que essas centenas de famílias enfrentam. A certeza é de que há muito trabalho a fazer e inúmeras coisas a aprender. Difícil saber como enfrentar essa enxurrada de novidades e problemáticas. Experimentar Deus nas coisas mais simples e me fazer humilde me parecem um bom começo.