Muitas coisas têm me fascinado durante esses quase 30 dias que estou aqui no Tocantins. A comida, a cultura, o sotaque, as novas palavras adicionadas ao vocabulário, o relacionamento interpessoal, a rotina de trabalho, a natureza…
Vejo e vivo coisas novas a cada despertar, a cada refeição, a cada conversa despretensiosa. É muito bom estar aberto a essa enxurrada de informações. E é muito bom ser o cara de São Paulo com inúmeras gavetas vazias no cérebro dispostas a receber um dia a dia diferente.
Na última semana, junto com outros colegas da Comissão Pastoral da Terra (T), fiz uma viagem a Campos Lindos. A cerca de 500 km distante da capital Palmas, o município é o principal produtor de soja do Tocantins. A cidade também é dona do segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado. Uma contradição curiosa.
É em Campos Lindos que cerca de 80 famílias correm risco de serem despejadas de suas terras para dar lugar à soja (publicamos no início do mês um histórico mais apurado sobre o assunto). Para chegar à região em que estão essas e outras 80 famílias, percorremos mais de 70 km em estradas de terra cercados somente por soja. E nada mais.
(Assista abaixo ao vídeo com depoimentos de alguns moradores ameaçados de despejo)
O nosso destino era a casa da dona Rosária, estabelecida ali há décadas e uma das moradoras resistentes à chegada dos sojeiros. Debaixo de uma enorme árvore, mais ou menos 50 pessoas da comunidade se reuniram para uma missa celebrada por Dom Phillip Dickmans, Bispo de Miracema do Tocantins e Presidente do Regional norte 3 da CNBB, em solidariedade às famílias que correm risco de despejo. Também estiveram presentes, em apoio, as pastorais sociais que compõem a comissão de serviço da Caridade, da Justiça e da Paz: o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Pastoral Carcerária.
Na casa de taipa da dona Rosária, um mutirão preparava o almoço comunitário. Por causa das longas distâncias entre uma casa e outra, nem todos os moradores da região puderam marcar presença no encontro. Mas, além de assistir à celebração de uma missa, aquele era um momento importante de confraternização e fortalecimento da comunidade. Naquele punhado de horas que aram juntos, eles puderam renovar as esperanças de que algo diferente de uma reintegração de posse venha a acontecer.
Aos olhos de quem está de fora – e eu me incluo nesse bolo -, a iminência de um despejo como este pode parecer corriqueiro ou muito distante de sua individualidade. Mas são necessários somente alguns minutos ao lado daquelas pessoas que convivem diariamente com essa ameaça para você perceber o que significa para eles perder sua terra, sua casa, suas plantações, sua criação de animais, seus vizinhos, sua história.
Em qualquer conversa que você se envolva, é fácil perceber o medo e o sonho dos camponeses. Ainda que tão distintos, medo e sonho caminham lado a lado por cada pedaço de chão.
A esperança de manter suas terras, mesmo que prejudicadas e reduzidas por um enorme projeto de soja ao seu redor, é sustentada todos os dias no trabalho duro que dá vida às próprias plantações – de onde todos tiram o arroz, a mandioca, a melancia, o feijão e o milho que os alimentam.
Contrastando com o imenso plantio de soja, que devasta e expulsa uma diversidade de vida, tudo o que é cultivado pela comunidade é consumido na mesa de casa. Esse povo demonstra a todo instante que precisa apenas do seu pedaço de terra para viver. Nada que extravase o necessário para cuidar da roça.
“O que mais arrebenta o coração é saber que o direito nós tínhamos. Mas agora estão tirando de nós”, lamentou um dos camponeses na roda de conversa. As mãos calejadas, a sabedoria do campo, a fala simples e a acolhida sincera apenas evidenciam que eles não precisavam ar por isso. No papel de habitantes tradicionais da região, verdadeiros avós, pais, filhos, netos e sobrinhos daquelas terras, eles não mereciam ar por isso.