Nos dias 23 e 24 de março, tive a oportunidade de conviver dentro da Reserva Indígena dos Apinajé, em Tocantinópolis (TO). Mesmo antes de mergulhar nesses dois dias, era certo que essa experiência se tornaria um post para o blog.
No entanto, coloquei em mim mesmo uma grande responsabilidade antes e durante a escrita deste texto. E essa responsabilidade inclui retratar esses dois dias de uma forma respeitosa, o que significa – ao menos para mim – não exibir a figura indígena como coitada, atrasada ou qualquer clichê que facilmente encontramos por aí. E agi assim para, de alguma forma, poder retribuir o carinho, a atenção e a acolhida que recebi nas diversas aldeias pelas quais eu e alguns colegas pudemos visitar.
CLIQUE AQUI E VEJA GALERIA DE FOTOS
O significado de um não-índio entrar e conhecer a vida daquela comunidade é algo imensurável. Quero dizer que é um ato de muita comunhão por parte dos índios disponibilizarem esse momento para quem não é indígena. Por isso reconheço e agradeço a confiança que eles nos depositaram ao permitir o contato com as crianças, idosos, adultos e lideranças.
Eu, frei Xavier (também da T) e Gaspar, cinegrafista da produtora Verbo Filmes, fomos guiados pela parceira Jucilene Gomes Correia, integrante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Na verdade, fomos meio que como curiosos, pois Jucilene estava acompanhando dois jornalistas ses de uma revista infantil que circula por toda França. A ideia da matéria deles é mostrar às crianças sas como vivem as crianças indígenas brasileiras.
De um total de 26 aldeias que compõem a reserva, ficamos instalados na Areia Branca. O índio Antonio Veríssimo nos acompanhou durante os dois dias. Em todos os momentos, naturalmente ele compartilhava frações de sua sabedoria. Não somente sobre a vida indígena, mas também um lado politizado – tanto no cenário nacional quanto internacional – que atropelaria o discurso cansado de qualquer intelectual de sala de aula. Não impressiona que um índio seja tão inteligente, pois pensar isso seria colocá-lo como um inferior. Mas impressiona a inteligência do homem por si só, seja índio ou não.
Eis aí um grande clichê completamente desmantelado: índio só sabe dos segredos da natureza. Se eu estivesse em uma conversa na esquina, eu soltaria um palavrão para dizer que “nem f&*@$#o que as coisas são assim”.
A partir do contato com Antonio e outras lideranças – homens e mulheres -, percebi que a preocupação em estudar, buscar novos conhecimentos, manter-se atualizado e ligado nas mobilizações sociais que acontecem reserva afora é de boa parte deles. Como bem disse Antonio durante uma das nossas conversas, “eu cursei a universidade da vida, do cabo da enxada”. Em outro momento, lista os inúmeros livros que leu ultimamente, e demonstra a vontade de saber mais sobre a luta do povo africano.
Liderança e agricultura
Uma grande preocupação das lideranças das aldeias é garantir o sustento a partir de suas próprias plantações. Visitamos as roças de algumas aldeias, e a diversidade de alimentos plantados mostra que o trabalho tem sido bem desenvolvido. Mandioca é o foco principal, já que em algumas aldeias há casas de farinha instaladas. Mas também vimos muita abóbora, arroz, fava, milho, mamão entre outros.
E por falar em liderança, foi interessante perceber que muitos jovens têm assumido postos na linha de frente. Casado e com duas filhas pequenas, o presidente da associação que representa os Apinajé tem 24 anos. O braço direito do cacique de uma das aldeias tem somente 20 anos. Ele é o responsável por organizar o trabalho na roça; e isso inclui definir quem irá cuidar da plantação, quando e como. Para um grupo que aposta na agricultura como um modo de sobrevivência, encarar esse papel é um grande desafio.

Se depender das crianças Apinajé, futuro da seleção brasileira de natação e saltos ornamentais já está garantido.
Como cada aldeia é responsável por sua plantação, é parte da estratégia realizar mutirões para cuidar da roça. Isso inclui colocar as crianças para participar de alguma maneira deste costume. A partir daí, os caciques e cacicas começam a introduzir nos pequenos o senso de responsabilidade e cuidado com aquilo que estão fazendo. O que poderia ser chato para um grupo de 20 crianças e adolescentes, torna-se um momento de lazer, com brincadeiras, gozações e, claro, um banho de rio para recompensar o compromisso.
No caso da aldeia Areia Branca, quem coordena todo esse processo é uma cacica, escolhida pelos moradores da comunidade. Durante os dois dias, ela manteve-se sempre em contato com as crianças e jovens. Colhendo, descascando e moendo a mandioca. Fazendo artesanato com folhas secas. Cuidando das refeições. Participando de uma noite cultural, com a exibição de vídeos. O respeito à liderança feminina é compreendido por todos na aldeia.
Tirar fotos bonitas é fácil
Esse tópico é apenas para destacar a beleza natural dos índios e índias, sejam jovens ou adultos. O olhar deles não fala. Grita, cativa, estremece! Por alguns momentos, um olhar curioso, desconfiado, sério, alegre, reservado.
Sem contar os diversos cortes de cabelo das meninas e dos meninos. Cada um de um jeito. O cuidado com o qual foram desenhados pelas tesouras está ali, estampado.
O sorriso fácil das crianças dá um nó na garganta. Que bom que elas existem. Que bom que elas são espontâneas. Por isso, ser fotógrafo é fácil.
Waxne
Na aldeia Abacaxi, participamos de um ritual (talvez eu possa nomear assim) muito bonito. Duas crianças receberam as tradicionais pinturas dadas aos guerreiros da tribo. Os chamados Waxne (lê-se Vainê). A tinta é feita a partir do jenipapo. Após ser ralada, o fruto é exposto ao sol por algumas horas. Isso escurece o material possibilita pintar o corpo com os mais belos traços. A tinta fica na pele por cerca de 15 dias (ou mais, dependendo do quanto você gosta de tomar banho).
Tive a honra de ganhar a pintura de um Waxne. Esse foi um dos momentos que mais me senti responsável por fazer um relato respeitoso sobre esse povo. A atenção e o cuidado com os quais a índia me pintava demonstrava que aquilo não era simplesmente pintar um corpo. Percebia-se um significado muito maior, pois penso que aquele momento era um empréstimo da cultura indígena a mim.
Num primeiro momento, a tinta fica clara. Mas, no dia seguinte, o preto fica mais forte e deixa o desenho mais bonito. Até hoje meu corpo continua com a pintura (apesar de eu gostar de banho).
Aldeias conectadas
A Associação das Aldeias Apinajé-Pempxà mantém um blog atualizado constantemente. O http://uniaodasaldeiasapinaje.blogspot.com.br/ é o canal utilizado para divulgar as ações realizadas pelas aldeias, os cursos de capacitação que eles recebem de entidades externas e, também, por onde são feitas denúncias de interesse do coletivo. Vale a leitura para quem deseja entender melhor quem são e pelo quê lutam os Apinajé.