A Justiça no Brasil é braço da elite

entrevista concedida a Leneide Duarte-Plon, veiculada na revista Carta Capital (edição de 18 de março de 2015)

Em seu quarto no convento Saint-Jacques, em Paris, a 12 mil quilômetros de Rio Maria, pequena cidade do Pará onde defendeu na Justiça inúmeros camponeses sem-terra, o frade dominicano e advogado Henri Burin des Roziers, 85 anos, recebe Carta Capital para falar da sua experiência no Brasil, onde foi morar em 1978. Rio Maria, campeã de assassinatos por encomenda de líderes sindicais, é conhecida como “a terra da morte anunciada” e, por isso, virou símbolo da luta camponesa no Pará.

O “advogado dos sem-terra” pertence a uma tradicional família sa. Estudou em Cambridge e fez doutorado na Sorbonne, antes de se tornar alvo de matadores profissionais. Em 2005, recebeu o Prêmio Internacional dos Direitos Humanos, na França, onde, em 1994, fora condecorado com a Légion d’Honneur.

CartaCapital: Segundo a Comissão Pastoral da Terra, entre 1985 e 2011, 1.610 pessoas foram assassinadas no Brasil em conflitos de terras. Camponeses, padres, freiras e advogados que de­fendiam os camponeses. Entre os estados brasileiros, o Pará é o mais violento, com 645 mortos entre 1985 e 2013. Por que essa violência?

Henri Burin des Roziers: Certamente, por causa da impunidade. Foi por isso que, quando fui enviado a Rio Maria, trabalhei contra a impunidade dos pistoleiros e seus mandantes, que tinham matado sindicalistas. Em Rio Maria, tinham assassinado João Canuto, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, tinham ameaçado o outro presidente, que teve de fugir, e depois assam quem o sucedeu, Expedito Ri­beiro de Souza. E nada aconte­cia. Por isso, ei grande parte do meu tempo no Brasil tentando agir para que a Justiça julgasse e ­condenasse os assassinos. Essa impunidade di­minuiu um pouco, alguns foram julgados.

CC: O senhor obteve vitórias. Como se explica a violência em torno da ter­ra no Brasil?

HBR: Eles continuaram a ass, cla­ro, até hoje o fazem. Mas não da mesma forma sistemática. Creio que por causa do nosso trabalho. A Justiça, hoje no Brasil, ainda está ligada às classes dominantes. Na época, eles compravam juízes. Obtive­mos condenações formidáveis em Rio Ma­ria, mas na hora da execução da pena tive­mos problemas por causa do conluio da Justiça com os ricos. Apesar de tudo, acho que houve peque­nos avanços. No País, há uma cultura da violência, sobretu­do no Norte. Ela se explica pe­la impunidade, mas também porque está na estrutura da so­ciedade. Os que têm poder na região são violentos e a proprie­dade da terra é uma realidade que se impõe pela violência.

CC: A reforma agrária no Brasil é impossível? Por que nunca foi realizada?

HBR: Creio que há uma razão histórica. Na história do Brasil, o problema da propriedade e da terra é visceral. Talvez por causa das Capitanias Hereditárias e das Sesmarias, no início da colonização. Os primeiros colonos recebiam o poder a partir da terra. Desde a origem, o proble­ma era fundamental. A terra como símbo­lo de riqueza e poder.

CC: Por que tanto Lula quanto Dilma Rousseff não ousaram fazer a reforma agrária?

HBR: Antes deles houve quem tentasse. O golpe de Estado de 1964 aconteceu em parte por causa das Ligas Camponesas de Francisco Julião. O problema da proprie­dade da terra no Brasil é explosivo.

CC: Como o senhor viu a nomeação da representante do agronegócio, grande latifundiária, Kátia Abreu, para o Ministério da Agricultura ?

HBR: É incompreensível. Dilma Rousseff foi eleita com muita mobilização dos Sem-Terra, do MST. Nomeou essa mulher para sobreviver, para ter um apoio políti­co. Dilma está fragilizada. Totalmente envolvida em um jogo difícil. Agora é o poder pelo poder. É o que se dá com o PT. No Partido dos Trabalhadores, salvo algumas exceções, o conjunto dos parlamentares luta para manter o poder. Não têm mais preocupações ideológicas, não se empenham por reformas. Dilma Rousseff não tem mais nada a ver com a Dil­ma Rousseff de Lula, quando chegou ao poder. Mas vale di­zer que era uma tecnocrata, não está na origem do PT.

CC: Depois do assassinato da freira Dorothy Stang, em 2005, o senhor ou a ser protegido por policiais. Por que o senhor era um alvo?

HBR: Porque trabalhei no Brasil por muito tempo como advogado, principalmente como advogado de acusação, se posso dizer assim, tentan­do levar à Justiça os matadores de camponeses e seus mandantes. Levamos à Justiça assassinos de camponeses e lí­deres do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria. Nos anos 80, os fazendeiros da região tinham decidido que o sindicato teria de fechar. Para tan­to, mandaram matar, em dezembro de 1985, seu primeiro presidente, João Ca­nuto. Depois mataram seus dois filhos, José e Paulo. Não mataram a viúva por­que não a encontraram. O sucessor de Canuto teve de fugir para não ser mor­to. Outro camponês, Expedito Ribeiro de Souza, assumiu a presidência do sin­dicato e foi assassinado em 1991. Depois, assam um diretor do sindicato, Brás de Oliveira. Um companheiro de­le conseguiu escapar, foi sequestrado e mandado para longe de Rio Maria.

 

 

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