Notícias do Pé do Morro: A casa de Raimunda

por Bruno Alface e Osvaldo Meca

Já imaginou como seria se você fosse expulsa de sua casa, onde mora há mais de 50 anos? Depois de ser expulsa, como seria a sensação de ver seu lar em pedaços e derrubado no chão? Gostaríamos que essas linhas fossem metafóricas e que tudo isso se tratasse de uma fantasia, mas, infelizmente, não é. Dona Raimunda, de 73 anos, moradora da Gleba Tauá, no município de Barra do Ouro, Tocantins, está vivendo tudo isso hoje – dia 12 de novembro de 2015.

O Boletim ‘Notícias do Pé do Morro’, habitualmente escrito por Rafael Oliveira, jovem dominicano e agente da Comissão Pastoral da Terra, pela primeira vez ganha redatores diferentes. Rafa não pôde escrever essa edição do informativo porque estava detido pela polícia militar por ajudar a defender, entre outras vidas, a de Raimunda. Como a missão deles é também a nossa, a história de Dona Raimunda e Rafael a gente compartilha agora.

casa de raimunda

Casa de Dona Raimunda (ou o que sobrou dela)

Hoje (12), Raimunda e mais de 30 famílias que residem na Gleba Tauá sofreram uma tentativa de despejo dos seus lares. A polícia militar, sob ordem do juiz da comarca de Goiatins (TO), Luatom Bezerra, realizou a ação de reintegração de posse de maneira truculenta. Moradores e agentes pastorais que foram acompanhar o despejo sofreram agressões por resistir pacificamente. Rafael Oliveira, frei Xavier Plassat, op, Evandro Anjos, Pedro Antônio Ribeiro, Antônio Filho – que são agentes da T – e dois posseiros da gleba Tauá foram detidos.

A ação desastrosa da Polícia Militar, presente com cerca de 25 policiais, que foi apoiada por 10 “soldados” e tratores da fazenda de Emilio Binotto, começou pela manhã de hoje. Os agentes da T que negociavam uma suspensão da reintegração de posse e acompanhavam os abusos da ação, não puderam omitir-se quando, de forma truculenta, os policias arrastaram a filha de Dona Raimunda, que resistia a sair, para fora de sua casa. Os agentes da T, que tentavam negociar e a própria Dona Raimunda, que pedia que sua filha fosse tratada bem, pois tem problemas de saúde, não foram ouvidos; ao contrário, os policias, despreparados, apelaram para a intervenção violenta, agrediram e deteram moradores e agentes da T. Pessoas que apenas defendiam o direito constitucional à moradia. Eles ficaram parte do dia presos dentro de uma van da PM, sendo transportados a uma delegacia somente no fim da tarde para em um termo, prestarem depoimentos e serem liberados. No braço, pescoço e outras partes do corpo, ficaram as marcas das agressões.

“Filha de Dona Raimunda foi arrastada pela PM, como se fosse coisa!! A ação descabida fez uma mulher grávida ar mal. Nós, Agentes da T, e moradores da gleba Tauá, fomos enforcados, chutados, arrastados, braços torcidos por essa PM. Agora estamos detidos dentro de uma van. Enquanto isso, outras famílias vão sendo despejadas”, relata Rafael Oliveira.

Na parte da tarde, enquanto o despejo violento acontecia, o comandante da operação precisou retornar a casa de Raimunda para tentar recuperar seu rádio perdido. Quando voltou, se deparou com um trator, dirigido por funcionários do fazendeiro Binotto, ando por cima da casa de Dona Raimunda, derrubando e esmagando tudo o que ali estava. Uma vez que a derrubada de casas durante uma reintegração de posse descumpre as diretrizes da Polícia Militar, o comandante decidiu suspender a operação. Ele ligou para o juiz Luatom Bezerra notificando sobre a suspensão, e o juiz, reforçando seu posicionamento arbitrário, não queria autorizar. Felizmente, o comandante prosseguiu dentro da legalidade nessa situação.

 

Confira, abaixo, um vídeo que mostra alguns minutos da triste e desumana tentativa de reintegração:

Justiça Cega

Ameaças, agressões e violações de direitos fazem parte da rotina das mais de 30 famílias moradoras da Gleba Tauá há anos. Tudo isso somado ao risco eminente de perderem seus lares, onde a maioria vive, em média, há mais de 50 anos. Segundo a T, o local ‘’tem sido o alvo constante de desmatamento realizado pelo empresário catarinense Emilio Binotto, o qual grilou essa área para plantar soja, milho e criar gado. Em maio de 2015, ao menos cinco tratores com ‘correntões’ foram responsáveis por derrubar todo o Cerrado que encontravam pela frente.’’

Além dos ataques aos moradores e moradoras da Gleba, o fazendeiro Binotto também comete graves crimes ambientais. A Pastoral da Terra relata: ‘’O sojeiro pretendia desmatar uma área equivalente a cerca de 800 campos de futebol, mas esta estimativa já foi superada. A área total desmatada desde a chegada de Binotto pode atingir 11 mil hectares. Acompanhadas pela T de Araguaína (TO), cerca de 20 famílias tradicionais, que vivem há mais de 50 anos nesta gleba, e outras 66 famílias que aram a ocupar as terras na última década, estão ficando ilhadas e encurraladas diante da força brutal do desmatamento e da violência exercida pelos funcionários do ‘sojeiro-grileiro’.’’

Você pode estar se perguntando agora: legalmente, de quem é a terra, afinal?  Das famílias que ali residem há mais de 3 gerações ou de um único fazendeiro? Infelizmente, na sociedade em que vivemos, não basta ‘’apenas’’ a história de vidas que moram em lugar há mais de 50 anos. É preciso estar de acordo com a lei. Bom, ‘’de acordo com a lei’’, vamos explicar os fatos.

Também segundo a Pastoral da Terra, as áreas que formam a Gleba Tauá pertencem a União, isto é, ao Governo Federal. Apesar disso, ‘’o juiz da comarca de Goiatins (TO) tem concedido várias decisões a favor dos grileiros, sem pedir que se faça perícia na área, baseado apenas em documentos que não comprovam nada, e deixando de analisar todas as provas que as famílias apresentaram provando viver nessas terras há décadas’’, relatam os agentes da Pastoral. Vale ressaltar que o mesmo juiz não levou em consideração os vários documentos do Ministério do Desenvolvimento Agrário que negam o pedido de ‘regularização fundiária’ feito pelo o grupo Binotto, que fracionou mais de 11 mil ha de terras da União em nome de laranjas, formando um verdadeiro ‘laranjal’.

Por fim, de acordo com o manual de diretrizes para cumprimento de reintegração de posse da Polícia Militar do Tocantins, é ilegal despejar qualquer pessoa sem que a mesma não tenha uma alternativa de moradia após deixar seu lar. Os moradores da Gleba Tauá não tinham essa segurança. Reintegrar posses desse jeito fica fácil, né senhor Binotto? O que nos diz, senhor juiz?

E agora, Raimunda?

A ação de despejo foi suspensa pelo juíz, mas, isso não impede que ela volte a acontecer no futuro. Com os próximos capitulos dessa novela ainda indefinidos, nos resta, de perto ou de longe, resistir junto com Raimunda, Rafael e todos os outros moradores da Gleba Tauá e mostrar que ‘’Estamos de Olho!’’, como foi reproduzido incansavelmente pelas redes sociais durante o dia de hoje.

Acompanhe as publicações e notícias através do site, facebook e twitter da Comissão Pastoral da Terra. Caso queira entrar em contato com os agentes da T Regional Araguaia – Tocantins, ligue para (63) 3412-3200.

Deixe um comentário