A mão de Deus nos une e liberta

por Romi Bencke*

O tema da Semana de Oração para a Unidade Cristã nos convida e provoca a afirmarmos, pela oração, a fé em um Deus de unidade e de liberdade. A inspiração para tal vem do texto de Êxodo 15.1-21. Este texto apresenta um cântico, entoado por Moisés, que recupera a libertação do povo hebreu da escravidão do Egito.

São interessantes as imagens apresentadas pela narrativa do texto. A libertação do cativeiro representou o abalo do principal alicerce para a economia do Egito, que era o trabalho escravo dos povos subjugados pelos exércitos do Faraó e de pessoas que não tinham condições econômicas e sociais para garantir a sua liberdade.

Para que o povo alcançasse a sua libertação foi necessário organização, fidelidade a Deus, porém não ao Deus do opressor, mas em Deus da libertação.  A libertação provavelmente foi consequência de um processo de observação, diálogo, avaliação dos riscos aos quais as pessoas seriam expostas. Não foi algo que aconteceu de forma mágica.

O abalo do sistema baseado no trabalho escravo é descrito neste cântico de Moisés pela imagem do cavalo e cavaleiro precipitados ao mar. “Descem qual pedra, ao fundo”, canta Moisés. O mar os cobriu. Se finda, assim, para este povo um tempo de opressão. A expectativa é a de uma nova sociedade que não se ancore na escravidão.

Quando as Igrejas do Caribe prepararam esta Semana de Oração pela Unidade Cristã, elas olharam para a história das ilhas caribenhas e para as principais características do sistema colonialista desenvolvido na região. Entre as muitas características, a escravidão foi uma delas. O trabalho escravo foi um pilar importante para que as potências colonialistas extraíssem as riquezas. Outra caraterística do colonialismo foi o de utilizar a bíblia como um instrumento de subjugação. A escravidão era justificada pela bíblia. Da mesma forma também o racismo era justificado pela bíblia.

O que as igrejas do Caribe nos provocam a refletir é que não há como aceitar uma legitimação religiosa para a escravidão. Assim como no Egito, também hoje, é necessário desconfiar e romper com os sistemas que se alicerçam na exploração degradante do trabalho humano.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no continente americano. No entanto, o término formal da escravidão não significou para as pessoas escravizadas melhoria de vida. Elas continuaram sofrendo o racismo, a falta de perspectiva de trabalho digno. O sistema econômico continuou tendo na baixa valorização do trabalho humano o seu principal meio de acumulação de riquezas. Nos últimos anos, em nosso país, tramitam projetos leis que querem flexibilizar a caracterização do trabalho análogo à escravidão.

Nesta Semana de Oração pela Unidade Cristã queremos, afirmar que a unidade cristã é uma realidade possível, da mesma forma, queremos anunciar que humilhação de seres humanos para que alguns enriqueçam é absolutamente contrário à vontade de Deus.

Este Deus amoroso que se manifesta em Jesus Cristo e no Espírito Santo nos provoca a não aceitarmos os projetos colonialistas atuais. Qualquer projeto econômico e social que se alicerça na desqualificação do trabalho humano e na exploração de seres humanos é radicalmente contrário ao Deus da libertação. Motivo pelo qual, um dos desafios para nossas igrejas é o de denunciarmos tais projetos e termos capacidade de discernimento para que não nos tornemos cúmplices deles.

A mão de Deus nos une para um testemunho cristão comprometido com as causas da justiça e nos liberta da apatia, da conveniência do silêncio e da cumplicidade com os sistemas de exploração da força do trabalho e da natureza.

* Pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e secretária Geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC.

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