Protagonismo Feminino

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Por Giovanna Araújo*

Sempre que penso nas mulheres, me vem a imagem de um rio enorme e caudaloso que temos que atravessar. Umas apenas molham os pés e desistem, outras nadam até a metade e voltam, temendo que lhes faltem forças. Mas há aquelas que resolvem alcançar a outra margem custe o que custar. Na travessia, vão largando pedaços de carne, pedaços delas mesmas. E pode parecer aos outros que do lado de lá vai chegar uma trapo humano, uma mulher estraçalhada. Mas o que ficou pelo caminho é tão somente a pele velha. Na outra margem, chega uma NOVA MULHER”. (Zuleica Alambert)

Na travessia desse enorme rio, na esperança de chegar à outra margem, me questiono: será que o dia da mulher e toda caminhada do protagonismo feminino tem o mesmo significado para todas as mulheres?

Durante essa importante reflexão, é válido lembrar que mesmo que tenhamos violações de direitos parecidas, somos muito diferentes umas das outras, e por este motivo a luta de algumas mulheres acaba sendo muito mais extensiva que a de outras. Sabendo disto, se faz necessária a sensibilização de todas as mulheres para que o protagonismo feminino seja sempre uma caminhada coletiva, onde eu na condição de mulher negra, graduada, e do interior, consiga compreender e colaborar na luta das diferentes realidades das outras mulheres.

Nesse processo de auto conhecimento, e de aos poucos ir compreendendo que mesmo com diferentes obstáculos podemos caminhar juntas, já conseguimos grandes avanços, e eu gostaria de evidenciar um: o protagonismo feminino na saúde. Diferente de outros espaços em que somos minoria, na área da saúde as mulheres são responsáveis por ocupar 65% dos mais de seis milhões de profissionais engajadas e engajados no setor público e privado do Brasil. Em alguns campos específicos como nutrição, psicologia e enfermagem somos mais de 80% responsáveis pela atuação de tais profissões. As últimas três premiações de experiências exitosas no SUS, de 78 pessoas premiadas com os melhores trabalhos, mais de 50 delas foram profissionais mulheres. Além de promover trabalhos excelentes com diferentes temáticas, as mulheres são as grandes responsáveis por desenvolver pesquisas específicas sobre a saúde da mulher, abrangendo desde a saúde reprodutiva, até questões de saúde sexual e violência.

Sermos as maiores responsáveis e reconhecidas por algo tão essencial à vida humana, é motivo de comemoração e muito orgulho, já que por muito tempo tivemos nossas pesquisas e descobertas negligenciadas, afim de favorecer e creditar homens. Mas ainda há muita luta pela frente, e mesmo que tenhamos avançado nas ocupações de espaços, ainda é necessário que estejamos atentas ao protagonismo feminino no Congresso Nacional. Hoje somos apenas 15% da Câmara dos Deputados e Deputadas, mesmo que a população brasileira seja composta por maioria de mulheres. Essa pouca representativa em espaços públicos refletem diretamente na nossa qualidade de vida, visto que, as necessidades a nós direcionadas são sempre colocadas em segundo plano, já que para que qualquer projeto siga adiante é necessário apoio parlamentar. Para que a situação seja revertida, além da conscientização do voto, se faz necessária a vigilância e apoio às nossas companheiras eleitas, isto porque quando ocupamos espaços que nos são negados, a perseguição e retaliação são assustadoras. Dia 14 de março somamos 2 anos da perda da nossa companheira Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, que por não desistir de atravessar o rio enorme e caudaloso na luta por todas as mulheres, acabou sendo vítima da pior das violências: àquela em que perdemos o direito de viver. 

Por essa e outras, sejamos corajosas e vigilantes. Nosso tempo é hoje. Se as pessoas no século XXI insistem em nos negar o direito básico de viver, sejamos Marielle, que mesmo perdendo a vida, impulsiona outras pessoas a não desistirem de lutar pelos seus ideias. Assim como Maria, mãe de Jesus, somos convidadas e convidados a dizer o nosso SIM pela defesa da vida de todas as mulheres, sobretudo as mais marginalizadas e vulneráveis. 

*Giovanna é Coordenadora Nacional do MJD Brasil

Mulheres na Ciência

20200307_183157_0000Por Mariana De Laquila Ohashi*

Recentemente, duas mulheres brasileiras, Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP e coordenadora do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) e Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da FAPESP, lideraram o sequenciamento do novo coronavírus. Um o importante para saber a origem do vírus e evolução, caminho para possível vacina e sua cura. Jaqueline, durante o seu doutorado, participou da formulação de protocolos de tratamento de outros dois vírus que também são grandes preocupações na nossa saúde pública, o zika e o HIV. 

Diante de atuações tão importantes da ciência, que geram benefícios para a população mundial, recordo esta fala do Papa Francisco, que inclusive já trabalhou em laboratório como técnico de química, em sua conta no Twiiter @Pontifex, por ocasião do Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento, em 2018:

“A comunidade científica hoje é chamada a constituir uma liderança que indique soluções para o desenvolvimento sustentável e integral de todos os povos, indispensável para a construção da paz. #WorldScienceDay

De acordo com a Unesco, as mulheres representam 28% dos pesquisadores em todo o mundo. Mas por que tanta diferença?
Vai além da pura e simples discriminação devido ao gênero. Primeiramente, gostaria de citar os assédios que podem ser tanto moral, quanto sexual que além de desmotivar, afetam psicologicamente as mulheres que o sofrem.

Em segundo, trago o exemplo de Rosalind Franklin, que dirigiu o estudo que permitiu a observação do formato helicoidal do DNA, mas seu nome não foi creditado pela descoberta. Os créditos foram para dois cientistas, James Watson, americano, e Francis Crick, britânico, que acabaram levando o Nobel de medicina em 1962, pela descoberta. 

Outro fato é de que nossa cultura cria mulheres para cuidar da casa, criar uma família e para isso, profissões em que não exija tanto do seu tempo. E homens para terem uma carreira de sucesso, não importa quanto tempo precisam estar longe de casa. Devido pesquisas levarem anos para serem desenvolvidas, mulheres ainda vivem o dilema entre carreira ou filhos, mesmo isso parecendo coisa do século ado. O direito de afastamento por maternidade para bolsistas de pesquisa, é muito recente, sendo conquistado em 2017. Esse dilema vem dessa criação que a por gerações, de falta de representatividade e a falta de apoio que faz com que meninas cresçam acreditando que não são capazes para seguir em áreas mais complexas.

Trago aqui mulheres históricas, que provam que isso é uma inverdade: Hildegard de Bingen (1098-1179), na idade média, como abadessa, escreveu um livro sobre botânica e medicina; Ada Lovelace (1815 -1852) é creditada como a primeira programadora do mundo por sua pesquisa em motores analíticos; Marie Curie (1867 – 1934) é considera a “mãe da física moderna”, pioneira sobre a radioatividade, pela descoberta dos elementos polônio e rádio e por conseguir isolar isótopos destes elementos. Foi a primeira mulher a ganhar um Nobel e a primeira pessoa a ganhar o prêmio duas vezes, sendo o primeiro em química e o segundo em física; Florence Sabin (1871-1953) ela estudou os sistemas linfático e imunológico do corpo humano. Tornou-se a primeira mulher a ganhar uma cadeira na Academia Nacional de Ciência dos EUA e, além disso, era militante pela igualdade das mulheres; Virginia Apgar (1909 -1974) criadora da Escala de Apgar, exame que avalia recém-nascidos em seus primeiros momentos de vida, e que, desde então, diminuiu as taxas de mortalidade infantil; Ir Miriam Michael Stimson (1913 – 2002), era química, além de Irmã dominicana. Participou na compreensão do DNA; Gertrude Bell Elion (1918 -1999) criou medicações para melhorar sintomas de doenças como Aids, leucemia e herpes, usando métodos inovadores de pesquisa e ganhou o prêmio Nobel de medicina em 1988. Além das duas cientistas citadas no começo deste texto.

Em tempos onde a ciência e a vida acadêmica não são valorizadas e incentivadas pelo nosso governo, se faz necessário refletir para ações que possam melhorar este quadro. Deixo algumas sugestões: ir à museus, valorizar heroínas reais além das da ficção, como as que citei acima. Se você tem proximidade com uma criança, estimule à leitura, a sua curiosidade, e apresente a ciência como divertida, existem vídeos no youtube para isso. Mostrar à meninas que elas podem ser o que quiserem, que dominam suas próprias escolhas, também é importante para construir um mundo com mais igualdade de gênero.

* Mariana é promotora de Comunicação Nacional do MJD Brasil

Mulheres indígenas, presente!

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por Amanda Pankararu*

“No Brasil, todos tem sangue indígena. Uns nas mãos, outros nas veias e outros
na alma.”
Nesse mês comemorativo, enquanto mulher indígena em contexto urbano preciso lembrar que a violência às indígenas e o próprio genocídio dos povos indígenas foi absolvido e incorporado na sociedade tendo como base o mito da democracia racial. Há a tentativa constante de apagar a resistência de segmentos populacionais significativos para sociedade brasileira naturalizando as violências sofridas dos povos indígenas que sobreviveram ao processo de invasão. A  hiperssexualizaçãodos corpos femininos de indígenas é resultado dos inúmeros estupros que nossas ancestrais sofreram, no intuito de um apagamento étnico.

Enquanto o desvelamento desse capítulo da história e o enfrentamento do genocídio dos povos indígenas não fizer parte de uma agenda coletiva das mulheres também não indígenas, o caminho para uma ampliação da libertação de todas as mulheres em âmbito nacional, ainda estará muito obstruído.

É preciso que haja reparação histórica, ou seja, é preciso que haja o reconhecimento de povos originários que tiveram sua existência negada por todos esses anos de construção da sociedade brasileira. E para além disso, é preciso dar ênfase a resistência das mulheres, que foram cruelmente violentadas e impedidas por vezes de ter voz ativa nesses processos, visto que o sujeito masculino sempre esteve presente nas relações humanas com  denotadosprivilégios. Ora tal sujeito masculino, como antagonista direto das negociações interétnicas e liderança da resistência política e pública do povo, ora como estuprador e agente de limpeza étnica.

Na atualidade, com os diversos feminismos sendo pautados constantemente, o desafio lançado para os movimentos sociais é justamente de absorver também as narrativas das mulheres indígenas. Que tenhamos na luta por igualdade de gênero o sentido de avançar na composição de estratégias que consigam contemplar as múltiplas realidades e defesa de direitos de todas as mulheres brasileiras, sendo assim incorporadas as demandas das indígenas como bandeiras de luta todos.

O mundo que defendo é exatamente um lugar onde a consciência coletiva ligada a não opressão de nenhum povo se sobressaia ao individualismo.

Que permaneçamos resistindo para existir!

*Amanda é indígena, pertencente ao povo Pankararu