Resenha do Livro “Nome de Deuses: Se minha casa pegasse fogo, eu salvaria o fogo”

por Leonardo De Laquila 

O Livro “Nome de Deuses, se minha casa pegasse fogo, eu salvaria o fogo” é fruto da entrevista de Jean-Yves Leloup, Doutor em filosofia, psicologia e teologia, que integra a coleção Nomes de Deuses, que se originou de um programa de entrevistas realizado por Edmond Blattchen.

Leloup partilha uma grande síntese mística de seu pensamento iniciando pelo Ser de Deus. Ele reconhece a realidade como Una, sem diferenciação entre aquilo que é sagrado daquilo que é mundano. Nessa unidade, Deus se conforma sem nome e com todos os nomes, já que se manifesta de múltiplas formas. Reconhecemos a diversidade da realidade, mas o que ele é nos escapa.

Relembrando Basílio de Cesaréia, afirma “A chuva cai; ela é ‘una’; mas floresce vermelha na papoula, branca na margarida, rosa na rosa”. A essência de Deus permanece inefável como o centro do Sol permanece invisível, continua Leloup, pode-se, contudo, conhecê-lo por meio de seus raios, de suas manifestações ou “energias”. Mas o que “ele é” sempre nos escapa. Por isso, para Leloup, o termo “Aberto” é o nome menos blasfematório para falar do seu Ser.

A experiência de Deus se dá na intensidade do vazio interior, na vacuidade, nos diversos momentos de “nada” de nossas vidas. De resto, o que sentimos não é Ele, mas seus reflexos, suas manifestações.

A palavra Deus vem do latim die, que quer dizer o “dia”, a “luz”. A luz não se vê, ela permite ver. Deus, Luz, não o vemos; não sabemos o que Ele é, mas o vemos nas coisas que Ele nos permite contemplar.

Somos chamados a realizar em nós mesmos uma síntese de finitude, de limite, e, ao mesmo tempo, de abertura ao ilimitado. Há em nós alguma coisa que busca a síntese entre a matéria e o espírito, entre o finito e o infinito, entre o criado e o não criado. Cristo é essa imagem que nos estrutura de dentro, o arquétipo da síntese, “uma imagem estruturante do ser humano”. Nele, Deus e o Humano já não se opõe, mas vivem juntos.

Nesse processo de encontro com o Uno, Jean-Yves Leloup traz um koan japonês. “Minha casa pegou fogo. Nada mais me oculta a Lua deslumbrante”. Minha vida está em ruínas, não há mais obstáculo à visão daquilo que é. Dessa forma, é necessário entrar em um processo de desconstrução das certezas de Deus e da fé para que assim entremos na dinâmica do fogo, a chama de Pentecostes que ao mesmo tempo nos alimenta e nos consome, que numa chama destrói e constrói a Igreja. O amor é chama ardente, uma centelha que não pode nos ser tirada. O Amor é o único Deus que não é um ídolo; diz Leloup, pois só o possuímos quando damos.

Quando desenvolvemos a nossa capacidade de amar, nos permitimos ser permeados pelo Aberto, do contrário, o inferno, acaba por ser o encerramento em nós mesmos, em nossos próprios pensamentos, em nossas concepções “formadas”, que nos impedem de ir em direção ao outro.

“Jesus dizia. Sede antes” (Evangelho de Tomé) “Sede antes!” é um convite para o reconhecimento de que estamos de agem, ageiros na Terra. O mundo é uma ponte, ninguém constrói sua morada em uma ponte. As “bem-aventuranças” poderiam também ser traduzidas como “o caminho”. Cristo tornou agens todos os imes de nossas vidas. As inevitáveis situações da vida podem se tornar lugares de agem, lugar de Páscoa. A própria palavra ressurreição, em seu sentido primitivo de anastasis: ana, “para o alto”, stasis, “colocar-se”; ou seja “colocar-se na profundidade”, “colocar-se nessa outra dimensão” de si mesmo, é um convite de movimento para o crescimento de si.

Todas as grandes tradições, todos os caminhos “iniciáticos” dizem: “É preciso morrer-antes-de-morrer”; trata-se mais de despertar antes de morrer. O homem é verdadeiramente humano naquilo que nele lhe permite superar-se ao outro, seja o outro nosso vizinho, o nosso próximo, aquele que encontramos, ou o Totalmente Outro. A medida que despertarmos para a dimensão mais profunda de nossa humanidade, mais nos divinizamos e, por isso, mais estamos Abertos e diluídos no Ser de Deus.

O processo de aproximação e descoberta do sagrado se dá no caminho do aprender a Orar. Como nos lembra Leloup, “Orar não é pensar em Deus; não é ter ideias sobre Ele. Um monge do monte Atos me dizia.: “Quando estás na presença de alguém, não pensas nele, estás com ele. E se o Ser que é Yod, he, vav, he, YHWH ou Yahwé, ‘Aquele Que É’, ‘O Vivente’, é a Realidade para ti, não se trata de pensar nisso; trata-se de estar com ele. E estar com ele é respirar com ele. É respirar, em teu sopro, o sopro da Vida que te percorre; ser um com ele” (p.68).

A cruz nos recorda o sentido do encontro, já que é o símbolo que mantém juntos aquilo que é vertical e o que é horizontal. Ou seja, o Amor, a abertura para a transcendência; ao mesmo tempo esse sentido do irmão, o amor pelos outros. O amor, nos recorda a Cruz dos cartuxos em sua máxima STAT CRUX MUNDUM VOLVITUR, que faz girar a Terra, o coração humano e as estrelas. Dessa forma, adverte o autor questionando André Malraux, não se pode afirmar puramente que “O século XXI será espiritual ou não existirá”, já que o espiritual chama o material. As linhas se atraem e se complementam.

“Aquilo é belo, eis que vem o feio” diz Lao-Tsé. Não há dia sem noite, não há preto sem branco, não há beleza sem feiura; os contrários se atraem. Leloup afirma então que “O século XXI será teândrico ou não existirá”. Ou seja, esse futuro do humano unirá em cada um de nós aquilo que é material e espiritual ou não existirá. Uma busca espiritual é vivida no psiquismo, que se trata de purificar, e num corpo, que pode sentir outras dimensões e abrir-se a elas.

A proposta de Leloup é a busca de reconciliar em nós a dimensão espiritual e material de modo a educar o olhar para o reconhecimento da organicidade das realidades. Apenas quando se reconhecer a transcendência na imanência, Deus estará transparente em todas as coisas.

Referência:
LELOUP, Jean-Yves. NOMES DE DEUS. Entrevista a Edmond Blattchen. São Paulo, Editora UNESP, 2002.

 

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